quarta-feira, 16 de abril de 2014

Português é muito difícil? Será?



Português é muito difícil



Essa afirmação preconceituosa é prima-irmã da ideia de que “brasileiro não sabe português”. Como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos que “português é uma língua difícil”: porque temos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós. No dia em que nosso ensino de português se concentrar no uso real, vivo verdadeiro da língua portuguesa do Brasil é bem provável que ninguém mais continue a repetir essa bobagem. Todo falante nativo de uma língua sabe essa língua. Saber uma língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade suas regras básicas de funcionamento dela. Está provado e comprovado que uma criança entre os 3 e 4 anos de idade já domina perfeitamente as regras gramaticais da língua! O que ela não conhece são sutilezas, sofisticações e irregularidade no uso das regras, coisas que só a leitura e o estudo podem lhe dar. Mas nenhuma criança brasileira dessa idade vai dizer, por exemplo: “Uma meninos chegou aqui amanha”. Um estrangeiro, porém, que esteja começando a aprender o português, poderá se confundir e falar assim. Por isso aquela piadinha que muita gente solta quando vê uma criancinha estrangeira falando – “ Tão pequeno e já fala tão bem inglês [ou outra língua]” – tem seu fundo de verdade: pouca gente conseguirá falar uma língua estrangeira com tanta desenvoltura quanto uma criança de cinco anos que tem nela sua língua materna! Por quê? Porque toda e qualquer língua é “fácil “ para quem nasceu e cresceu rodeada por ela! Se existisse língua “difícil”, ninguém no mundo falaria húngaro, chinês ou guarani, e no entanto essas línguas são faladas por milhões de pessoas, inclusive criancinhas “iletradas”. Se tanta gente continua a repetir que “português é difícil” é porque o ensino tradicional do Brasil não leva em conta o uso do brasileiro do português. Um caso típico é o da regência verbal. O professor pode mandar o aluno copiar quinhentas mil vezes a frase: “Assisti ao filme”. Quando esse mesmo aluno puser o pé fora da sala de aula, ele vai dizer ao colega: “Ainda não assisti o filme do Zorro!” Porque a gramática brasileira não sente a necessidade daquela preposição a, que era exigida na norma clássica literária, cem anos atrás, e que ainda está a vigor no português falado em Portugal, a dez mil quilômetros daqui! É um esforço árduo e inútil, um verdadeiro trabalho Sísifo, tentar impor uma regra que não encontra justificativa na gramática intuitiva do falante.


Texto retirado do livro "Preconceito linguístico"

Autor: Marcos Bagno

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